quarta-feira, 9 de maio de 2018

CONTO: CAFÉ DA MANHÃ

De manhã, antes que o relógio soasse, senti sua leve respiração na minha nuca, o que me fez levantar um pouco mais cedo que o normal. Saio de casa junto com os primeiros raios de sol da manhã, em busca da padaria para comprar o nosso café da manhã e lhe fazer uma surpresa, pois é ela quem tem o hábito de acordar mais cedo e preparar a nossa refeição matinal.
Andando a caminho da padaria, numa calçada que segue em linha reta paralela à praça da igreja municipal, lembro que foi nessa mesma praça que nós tivemos os nossos primeiros encontros. Olho para aqueles bancos agora vazios e sinto algo diferente, um misto de saudade e vertigem; desacelero um pouco o passo, inexplicavelmente começo a andar com passadas lentas e bem dosadas, e sinto uma estranha vontade de prolongar ao máximo o tempo de voltar para a nossa casa. Recordava os dias em que ela acordava mais cedo do que eu e preparava as nossas torradas, quando de repente percebo que ela esteve ao meu lado desde a saída de nossa casa até a padaria. Olho para ela, dou um sorriso, ela me devolve o sorriso e entramos na padaria para comprar o nosso café da manhã. Deixo que ela escolha o que comprar, por já estar acostumada a esse serviço matinal. Meu trabalho se resume a dar sorrisos quando ela coloca na cesta alguma comida que eu gosto e a fazer caretas quando ela colocava algo que eu não gostava, como se ela não soubesse.
Voltando para casa, noto uma crescente tristeza no seu rosto, tristeza que inexplicavelmente cresce na proporção que nos aproximamos de casa. Pergunto a ela o que foi, mas ela não me responde nada, apenas olha para mim com um olhar cada vez mais claro, cada vez mais ofuscante, o que me deixa desnorteado, cada vez mais desnorteado na medida em que nos aproximamos de nosso lar.
Chego à nossa casa já quase cego da luz que saía do seu olhar. Só consigo achar a cama guiado por ela que, apesar da imensa tristeza do seu olhar, me acompanha até lá e me enrola com o nosso cobertor e coloca o nosso travesseiro embaixo da minha cabeça. Olho para o teto e, aos poucos, o telhado vai perdendo a sua forma ordenada, os ângulos retos do madeiramento ficam indefinidos e disformes, tudo dá lugar a um caos límpido e suave. Olho para ela assustado e pergunto o que está acontecendo, mas ela nada responde, apenas fica ao meu lado, o que me deixa cada vez mais calmo, com cada vez mais sono...
07h00min. Acordo com o alarme do relógio. Minhas costas doem. Levanto devagar.Olho para foto dela pendurada na parede do quarto. Saio em busca da calçada. – tenho que ir comprar o café da manhã – penso. Daqui vejo o sol. Sua luz ofusca minha vista. Não vejo mais nada. Apenas luz. E ela é tudo.
Espaço do Leitor: Por Eriróbson Dantas de Lima