De manhã, antes que o relógio soasse,
senti sua leve respiração na minha nuca, o que me fez levantar um pouco mais
cedo que o normal. Saio de casa junto com os primeiros raios de sol da manhã,
em busca da padaria para comprar o nosso café da manhã e lhe fazer uma
surpresa, pois é ela quem tem o hábito de acordar mais cedo e preparar a nossa
refeição matinal.
Andando a caminho da padaria, numa
calçada que segue em linha reta paralela à praça da igreja municipal, lembro
que foi nessa mesma praça que nós tivemos os nossos primeiros encontros. Olho
para aqueles bancos agora vazios e sinto algo diferente, um misto de saudade e
vertigem; desacelero um pouco o passo, inexplicavelmente começo a andar com
passadas lentas e bem dosadas, e sinto uma estranha vontade de prolongar ao
máximo o tempo de voltar para a nossa casa. Recordava os dias em que ela
acordava mais cedo do que eu e preparava as nossas torradas, quando de repente
percebo que ela esteve ao meu lado desde a saída de nossa casa até a padaria.
Olho para ela, dou um sorriso, ela me devolve o sorriso e entramos na padaria
para comprar o nosso café da manhã. Deixo que ela escolha o que comprar, por já
estar acostumada a esse serviço matinal. Meu trabalho se resume a dar sorrisos
quando ela coloca na cesta alguma comida que eu gosto e a fazer caretas quando
ela colocava algo que eu não gostava, como se ela não soubesse.
Voltando para casa, noto uma crescente
tristeza no seu rosto, tristeza que inexplicavelmente cresce na proporção que
nos aproximamos de casa. Pergunto a ela o que foi, mas ela não me responde
nada, apenas olha para mim com um olhar cada vez mais claro, cada vez mais
ofuscante, o que me deixa desnorteado, cada vez mais desnorteado na medida em
que nos aproximamos de nosso lar.
Chego à nossa casa já quase cego da luz
que saía do seu olhar. Só consigo achar a cama guiado por ela que, apesar da
imensa tristeza do seu olhar, me acompanha até lá e me enrola com o nosso
cobertor e coloca o nosso travesseiro embaixo da minha cabeça. Olho para o teto
e, aos poucos, o telhado vai perdendo a sua forma ordenada, os ângulos retos do
madeiramento ficam indefinidos e disformes, tudo dá lugar a um caos límpido e
suave. Olho para ela assustado e pergunto o que está acontecendo, mas ela nada
responde, apenas fica ao meu lado, o que me deixa cada vez mais calmo, com cada
vez mais sono...
07h00min.
Acordo com o alarme do relógio. Minhas costas doem. Levanto devagar.Olho para
foto dela pendurada na parede do quarto. Saio em busca da calçada. – tenho que
ir comprar o café da manhã – penso. Daqui vejo o sol. Sua luz ofusca minha
vista. Não vejo mais nada. Apenas luz. E ela é tudo.
Espaço do Leitor: Por Eriróbson Dantas de Lima