segunda-feira, 20 de maio de 2013

REPRESSÃO BRUTAL À ESTUDANTES: VERGONHA DE GOVERNO, VERGONHA DE POLÍCIA!

Saiu no Carta Capital:

Alipio de Sousa Filho

Professor do Departamento de Ciências Sociais da UFRN


A repressão policial violenta que se abateu sobre a manifestação de estudantes que, na quarta-feira, dia 15, estavam na Avenida Salgado Filho, protestando contra o aumento da passagem dos transportes coletivos urbanos, tem uma dimensão e significados que não podem passar despercebidos e deixar de ser denunciados.

O relato e as filmagens, acessíveis a quem quiser ver, de policiais atirando balas de borracha contra as pessoas, bombas de gás lacrimogêneo, utilizando pistolas de choque elétrico, tomando câmeras fotográficas e filmadoras, sem as devolver aos seus proprietários, socos no estomago de mulheres, espancamentos violentos, com cassetes, cabos de metralhadoras e outros instrumentos, violentamente atirados em pernas, braços, cabeças etc. são uma demonstração da barbárie das polícias que atuaram no caso, mas igualmente a barbárie dos governos políticos do RN e da capital.

Há, ainda, denúncias de encurralamento de mulheres por policiais que as insultaram com ditos como “vadias, vazem daqui”, “vagabundas, não têm o que fazer?” Estudantes contam caso de policial que a eles assim se dirigiu: “Deem graças a Deus não estarmos no Regime, senão vocês seriam metralhados na cara”. O regime aí, todos sabem, é a ditatura militar, que vigorou até 1985. Como se pode ver, nas fileiras das nossas policias, há ainda aqueles que sonham com a volta de governo ditatorial que é conhecido por assassinar, torturar, exilar, caçar direitos políticos, suprimir a liberdade de expressão e o direito de ir e vir das pessoas. Para quem tem dúvida do ocorrido, veja manifestações de policiais em Facebook, afirmando que “bateu muito” e que aquilo que merecem os “marginais” é “peia, peia, peia” (ver matéria na Carta Potiguar sobre o caso). Os “marginais” são nossos estudantes: aqueles a quem nós, professores, encontramos todos os dias nas salas de aula nas universidades e escolas.

Não se trata aqui, de minha parte, de confundir todo o aparelho policial e todos os policiais com ações de bárbaros armados como as que foram praticadas na noite do dia 15. Em todas as polícias do país e do RN, há excelentes e dedicados policiais, dispostos a fazer do aparelho policial algo diferente do aparelho de tortura, repressão e extermínio que vários sonham. Mas, se numa ação pública, autorizada pelos poderes concernidos, no que se inclui o comando geral da polícia e a própria governadora do estado (aquela a quem a PM está subordinada), é possível se constatar tamanha truculência e barbárie, não se pode deixar de criticar e denunciar uma ação que não pode ser chamada de outro modo que uma vergonhosa agressão ao direito de manifestação política da sociedade. Para que se tenha noção da brutalidade da agressão policial, um estudante da UFRN, levado a hospital, recebeu 18 pontos para fechar ferimento na cabeça, provocado por pauladas aplicadas por policiais. Inadmissível como atuação de forças cuja existência se destina a garantir a segurança dos cidadãos, evitando a violação de sua integridade física, psicológica e patrimonial.

É do conhecimento da sociedade que, no Brasil, as Polícias Militares são instituições subordinadas aos Governadores dos Estados, por meio das Secretarias de Segurança, sob cujo poder está o Comando Geral da PM, e em decorrência do que,

sendo o governador a autoridade suprema do executivo estadual, lhe é exclusiva a competência para conferir patentes aos oficiais da PM e nomeá-los responsáveis pelas atribuições de comando e chefia. Assim, no presente momento no RN, é a governadora Rosalba Ciarlini que deve ser responsabilizada pela autorização e orientação pelo modo como a PM agiu na manifestação do dia 15. Da governadora se exige um pronunciamento público de condenação à violência policial e ordens para que o policiamento em dias de manifestação faça apenas a segurança dos manifestantes e a defesa do patrimônio público e privado. O silêncio da govenadora, até aqui, sobre o que ocorreu na noite do dia 15, em Natal, soa como concordância e cumplicidade com a barbárie da truculência de policiais.

Igualmente, tratando-se de ocorrência na capital, onde se cruza o poder do governante estadual e o poder do governante municipal, cabe exigir do prefeito Carlos Eduardo Alves posicionamento também condenatório à repressão a manifestantes que, indignados com o aumento da passagem dos ônibus, expressam diretamente a ele, como prefeito, seu desagrado em vê-lo, agora como governante, realizando o contrário do que prometia em campanha. Não estando em período de Carnaval, as chaves da cidade não estão nas mãos de Rei Momo, mas em suas mãos, e espera-se dele ação de cuidado daqueles que estão sob seu governo: cuidado principalmente com a vida de todos. As circunstâncias das manifestações são produtoras de tensões que, por má orientação ou má intenção de policiais, podem resultar em mortes ou lesões físicas irreversíveis. Não deve um prefeito admitir que, em sua cidade, tais fatos venham a ocorrer. Deve ele ser agente de orientações e negociações com os demais poderes da cidade e, principalmente, pelo seu lugar e papel de importância, apelos às forças policiais para evitarem confrontos e brutalidade no trato com jovens manifestantes. O silêncio e a inércia do prefeito não deixarão de ser conivência com a barbárie do aparelho policial, esta que não será maior que a barbárie de sua própria omissão.

Em sua maioria, aqueles que estavam na manifestação eram jovens estudantes, secundaristas e universitários. Jovens que protestam e expressam sua indignação diante do sequestro da cidade por interesses de poderes econômicos que encontram cumplicidade nos poderes políticos. Jovens que, apreendendo com aquilo mesmo que lhes ensina a vida, os estudos e a experiência de participação política, sabem que sem suas ações organizadas, como de outros setores da sociedade, nada irá se modificar na cidade, se se ficar a espera da ação daqueles que, sistematicamente, prometem em suas campanhas eleitorais o que nunca cumprem quando se tornam governo.

A indignação desses jovens estudantes resulta do fato de estarem cansados de serem utilizados nas mentirosas promessas de gente política sem escrúpulo. Citados em campanha, os jovens aparecem como “o futuro da cidade”, “a esperança da nação” e, como alvo dessas falácias, são nomeados como destinatários de políticas, programas e projetos que nunca são implementados. Como poderes empossados, nada efetivamente oferecem aos jovens senão a escola de má qualidade, a cidade do mau serviço de transportes públicos, de paradas inadequadas ou sem paradas, sem ciclovias, sem parques, de praças mal cuidadas, sem teatros, sem áreas de lazer ou políticas culturais que os engajem. O que se oferece é de má qualidade ou arremedos, para glória dos sedentos de prestígio fácil ou glória de seus bolsos, ao levarem para suas contas bancários o dinheiro público que lhes chega fácil em farsas de “eventos culturais”, “programas sociais para os jovens”.

Essas mentiras oficiais que já duram, a ausência de políticas culturais para jovens, os descuidos com a cidade e a violência que se abate contra jovens quando expressam sua indignação podem deixar insensíveis e quietos alguns. Aqueles que, vivendo como porcos, aceitam a farinha que lhes oferecem os poderes econômicos e políticos que dominam a cidade, entre os quais estão certos jornalistas de empresas de comunicação que lhes pagam (dão a eles a ração de todo dia) para criminalizarem os movimentos sociais que se manifestam por uma outra cidade, uma outra vida nela. Ou setores de uma classe média, boa parte dela também dependente dos favores de poderes políticos e econômicos dominantes locais, que se vê incomodada, em sua vidinha simplória de compras em shopping e conversas fiadas nos “chás das cinco”, a cada vez que alguma manifestação pública interrompe o trânsito. Como se a interrupção do trânsito, por algumas horas, fosse a própria interrupção do seu grotesco elitismo de classe, que pede passagem nas vias públicas como se a cidade fosse unicamente para ela desfilar a “miséria de seu medíocre bem-estar” (como fala disso o filósofo francês Gilles Chatêlet, em seu Pensar e viver como porcos).

Essa gente estúpida que acusa os estudantes de “vândalos”, “baderneiros”, e de agredirem a polícia, vomitando seus preconceitos nisso que se chama “as redes sociais”, verdadeiro esgoto das sociedades da informática, onde todos se acham no direito de dar opinião preconceituosa e conservadora, como se fosse reflexão e pensar crítico, essa gente deve saber bem que, há algum tempo, a cidade de Natal é de apenas alguns poucos, seja no acesso ao trabalho, à riqueza e ao poder, seja no acesso aos bens culturais e aos serviços. Uma situação que somente não é enxergada por aqueles que têm feito de suas vidas a opção pela ignorância, pelo alheamento e indiferença egoísta. Quem não, e gente que conserva sua capacidade de indignação, e que também não se vendeu às promessas do falso bem-estar do consumismo classe média, não admitindo o sequestro da cidade por poucos, sai às ruas para protestar ou apoiar as lutas dos que se organizam e legitimamente se manifestam.